As decisões petistas de Bolsonaro (por Felipe Moura Brasil) – Heron Cid
Bastidores

As decisões petistas de Bolsonaro (por Felipe Moura Brasil)

1 de março de 2020 às 13h21

“Ele está enfrentando a esquerda corrupta e sanguinária por nós.”

A frase é uma das legendas do vídeo de convocação da manifestação de 15 de março, compartilhado via WhatsApp, como revelou Vera Magalhães, pelo presidente Jair Bolsonaro — que, mesmo tendo sido deputado federal por 28 anos, acrescentou como lema do ato a seguinte mensagem:

“O Brasil é nosso, não dos políticos de sempre.”

No fim de 2019, os “políticos de sempre” do PT, partido mais representativo da “esquerda corrupta” a que se referem os bolsonaristas, votaram a favor da divisão da primeira instância do Poder Judiciário em duas, ajudando a aprovar a criação da quinta instância no Brasil. Conforme o texto da lei, o chamado “juiz das garantias” passa a comandar a fase de investigação, enquanto um juiz de instrução e julgamento fica responsável pela ação penal aberta, incluindo a sentença.

Foram favoráveis à medida todos os deputados federais do partido de Lula, condenado em dois processos (triplex e sítio) dos nove em que ainda era réu.

São eles:

– Afonso Florence (BA);
– Airton Faleiro (PA);
– Alencar Santana Braga (SP);
– Alexandre Padilha (SP);
– Arlindo Chinaglia (SP);
– Assis Carvalho (PI);
– Benedita da Silva (RJ);
– Beto Faro (PA);
– Bohn Gass (RS);
– Carlos Veras (PE);
– Carlos Zarattini (SP);
– Célio Moura (TO);
– Erika Kokay (DF);
– Frei Anastacio Ribeiro (PB);
– Henrique Fontana (RS);
– José Airton Cirilo (CE);
– José Guimarães (CE), cujo assessor José Adalberto Vieira foi preso em 2005 no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com 100.000 dólares na cueca, além de outros 209.000 reais guardados em uma maleta;
– José Ricardo (AM);
– Joseildo Ramos (BA);
– Leonardo Monteiro (MG);
– Luizianne Lins (CE);
– Marcon (RS);
– Margarida Salomão (MG);
– Natália Bonavides (RN);
– Nilto Tatto (SP);
– Odair Cunha (MG);
– Padre João (MG);
– Patrus Ananias (MG);
– Paulão (AL);
– Paulo Guedes (MG);
– Pedro Uczai (SC);
– Professora Rosa Neide (MT);
– Rejane Dias (PI);
– Rogério Correia (MG);
– Rubens Otoni (GO);
– Rui Falcão (SP), ex-presidente do partido;
– Valmir Assunção (BA);
– Vander Loubet (MS);
– Vicentinho (SP);
– Waldenor Pereira (BA);
– Zeca Dirceu (PR), filho do mensaleiro José Dirceu, condenado também pelo petrolão.

Jair Bolsonaro podia ter exercido o seu direito constitucional ao veto, contrariando o PT. O presidente, porém, sancionou a criação do juiz das garantias, contrariando Sergio Moro, que havia lhe recomendado o veto. Bolsonaro também preferiu compactuar com o PT ao sancionar limitações à prisão preventiva e à delação premiada. Nesses casos, o presidente ainda contrariou nota técnica assinada por duas subprocuradoras-gerais da República: Luiza Cristina Frischeisen e Maria Iraneide Facchini.

Resultado: o delator agora é obrigado a relatar apenas ilegalidades que tenham ligação direta com os fatos investigados, enquanto a prisão preventiva depende de prova “de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”, deve ser motivada por “fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida”. Além disso, o juiz tem de reanalisar a cada 90 dias as ordens de prisão e não pode mais decretar de ofício (sem ser provocado) medidas que a incluem. Tem mais: caso seja inviável aplicar medidas alternativas, a justificativa deve ser fundamentada de forma individualizada e, caso um investigado esteja preso, o inquérito sobre ele só poderá ser prorrogado uma única vez por 15 dias — caso exceda o prazo, o suspeito deve deixar a cadeia (não importando se os esquemas investigados são complexos e demandam maior tempo de apuração).

Para as subprocuradoras que haviam recomendado pontos de veto, “a exigência de demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade”, por exemplo, “inviabilizará a prisão para evitar a simples fuga do investigado ou réu, já que a fuga, por si só, não implica perigo, embora frustre a aplicação da lei penal, gerando impunidade.”

“Ademais”, escreveram elas, alertando contra a blindagem de corruptos e lavadores de dinheiro, “esta previsão tende a restringir a prisão preventiva aos casos de crimes violentos, inviabilizando a prisão do colarinho branco, cujo crime pode ser extremamente danoso, porém sua periculosidade nem sempre é enxergada como tal, pelo fato do seu crime de ofender direitos difusos, ao contrário dos crimes violentos, que atingem direitos individuais e, por isso, o perigo, nos crimes cometidos pelos ricos e poderosos, tende a não ser perceptível, embora definitivamente existente.”

As subprocuradoras ainda alertaram que o item sobre delação “restringe a eficácia do instituto e, por conseguinte, os bons resultados decorrentes dele”, pois “uma das principais razões dos expressivos resultados de grandes operações foi a possibilidade de realizar acordos de colaboração premiada que levaram a descoberta de vários crimes sem relação com os fatos inicialmente investigados, os quais foram, posteriormente, desmembrados e encaminhados aos juízos competentes”.

Além de Bolsonaro ter sancionado três sonhos do PT de uma só vez, o advogado-geral da União, André Mendonça, nomeado pelo presidente e cotado por ele para preencher uma vaga no STF, ainda defendeu em parecer ao Supremo o primeiro deles. Amigo e até organizador de livro em homenagem ao presidente da Corte e advogado de carreira no PT, Dias Toffoli, que defende a constitucionalidade do instituto do juiz das garantias, Mendonça alegou que a criação desta figura prestigia e assegura a “imparcialidade”. É a mesma alegação do deputado federal petista Paulo Teixeira, que propôs a emenda com Margarete Coelho (PP-PI) e Marcelo Freixo (PSOL-RJ).

A narrativa de que Bolsonaro “está enfrentando a esquerda corrupta” — quando o governo dele compactua com o PT e as suas linhas auxiliares nos pontos legislativos mais sensíveis sobre a investigação de todos os corruptos — é uma retórica enganosa usada pela militância bolsonarista, em sua enésima tentativa de atribuir ao presidente uma valentia moral que ele não tem demonstrado em decisões convenientes, cujas intenções se tornam inevitavelmente suspeitas, considerando que seu filho 01, Flávio Bolsonaro, é investigado por corrupção e lavagem de dinheiro no caso da rachadinha de gabinete na Alerj e que existe, em tese, o risco de delação e prisão de seu ex-assessor (e amigo há décadas de Jair) Fabrício Queiroz – o homem que centralizava o recebimento de parte dos salários dos demais assessores de Flávio e que transferiu pelo menos 24 mil reais para a conta da atual primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

A tentativa bolsonarista de culpar o Congresso Nacional até pelas sanções presidenciais, mesmo com o presidente condecorando Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, além de Toffoli, por “notáveis serviços à Advocacia-Geral da União ou aos órgãos a ela vinculados”, é semelhante à tática cínica de chamar de “nova esquerda” quem critica Bolsonaro por compactuar com a esquerda: só engana os brasileiros ingênuos e/ou mal informados. Se Jair Bolsonaro, num surto de valentia moral, tivesse vetado juiz das garantias e limitações à prisão preventiva e delação, esbravejando na véspera do Natal que “nós não podemos aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo. Foda-se”, seria mais fácil para a militância fazer os brasileiros conscientes acreditarem que ele tem combatido os corruptos. Mas quem soltou a frase que desencadeou a manifestação do dia 15 foi o general Augusto Heleno, referindo-se às pressões do Congresso contra o veto presidencial à proposta que obriga o governo a executar 30 bilhões de reais em emendas, cuja destinação seria definida pelo relator do Orçamento (de acordo com os interesses eleitorais dos parlamentares, claro).

Assim como ocorria no embate entre tucanos e petistas, o enfrentamento em jogo, portanto, é novamente em torno de cargo e dinheiro. Em matéria de blindagem, Bolsonaro, PT e demais “políticos de sempre” estão juntinhos.

Por eles próprios, claro, não por nós.

Crusoé

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