Cármen, Gilmar e "Lewan" (por Felipe Moura Brasil) – Heron Cid
Bastidores

Cármen, Gilmar e “Lewan” (por Felipe Moura Brasil)

31 de agosto de 2019 às 19h00
Ministro Gilmar Mendes, do STF (Fátima Meira 02.out.2018 - Futura Press/Folhapress)

Em 18 de setembro de 2015, Gilmar Mendes afirmou que o PT tinha “um plano perfeito” para se “eternizar no poder”, interrompido pela Operação Lava Jato.

“A Lava Jato estragou tudo. Evidente que a Lava Jato não estava nos planos. O plano era perfeito, mas não combinaram com os russos. Isso é que ficou tumultuado. A Lava Jato revelou o quê? Pelas contas do novo orçamento da Petrobras, R$ 6,8 bilhões foram destinados à propina. Se um terço disso foi para o partido, o partido tem algo em torno de R$ 2 bilhões de reais de caixa”, estimou o ministro do STF.

“Era fácil disputar eleição com isso. A campanha da presidente Dilma custou R$ 350 milhões. Por isso que eu disse: eles têm dinheiro para disputar eleição até 2038. E deixariam uns ‘caraminguados’ para os demais partidos. Era uma forma fácil de se eternizar no poder. Na verdade, o que se instalou no país nos últimos anos está sendo revelado na Lava Jato: é um modelo de governança corrupta, algo que merece o nome claro de cleptocracia”, concluiu Gilmar.

Seis meses depois, em março de 2016, o ministro impediu que Lula ganhasse foro privilegiado como ministro-chefe da Casa Civil do governo de Dilma Rousseff, suspendendo a nomeação do petista, até então solto.

“O objetivo da falsidade é claro: impedir o cumprimento de ordem de prisão de juiz de primeira instância. Uma espécie de salvo-conduto emitida pela presidente da República”, escreveu Gilmar.

Em outubro de 2016, o ministro ainda votou a favor da prisão após condenação em segunda instância, o que autorizaria o TRF-4 a mandar prender Lula em abril de 2018.

Em maio de 2017, porém, a Lava Jato atingiu em cheio Aécio Neves, trazendo à tona a gravação de Joesley Batista que mostrava o então senador acertando com o empresário o pagamento de R$ 2 milhões para despesas com os advogados que já defendiam o tucano de outras acusações no âmbito da operação.

Gilmar e Aécio, segundo relatório da Polícia Federal, haviam trocado ao menos 46 ligações de WhatsApp entre 16 de março e 13 de maio de 2017, uma delas em 25 de abril, mesmo dia em que Gilmar suspendeu, a pedido da defesa do tucano, um depoimento que Aécio iria prestar à Polícia Federal.

Em setembro daquele ano, a Primeira Turma do STF determinou a perda do mandato de Aécio e seu recolhimento noturno, mas o plenário decidiu, por 6 votos a 5, que cabe à respectiva casa legislativa (o Senado, no caso) resolver sobre medidas cautelares diversas da prisão aplicadas contra parlamentares, quando elas interferem “direta ou indiretamente” no exercício do mandato, como era o caso das duas impostas ao tucano.

Gilmar, claro, votou a favor do encaminhamento ao Senado, assim como Ricardo Lewandowski e a então presidente do STF, a mineira Cármen Lúcia, que dizia que o Brasil estava ameaçado pela corrupção e que o escárnio venceu o cinismo, mas que deu o voto decisivo para salvar seu conterrâneo das punições, obviamente derrubadas, depois, pelo corporativismo (pela solidariedade em causa própria) de colegas senadores. Ao contrário de Lula, Aécio manteve o foro privilegiado e permanece solto até hoje, enquanto Gilmar chama a Lava Jato de “organização criminosa”.

Este é o mesmo Aécio Neves a quem Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados enrolado com a Justiça, pediu, segundo o delator Fernando Reis, da Odebrecht, apoio “para obter os votos de Gilmar e Cármen no caso dele”.

Cunha, pelo visto, conhecia a influência de Aécio sobre a dupla de ministros, assim como Marcelo Odebrecht conhecia a de Lula sobre seu indicado Lewandowski: “Como foi no instituto?”, perguntou Marcelo em e-mail enviado a Alexandrino Alencar, com cópia para Maurício Ferro, e entregue pelo ex-presidente da empreiteira à PF. “O amigo do meu pai não tem como acionar tb o Lewan…?”

Em 27 de agosto de 2019, este novo trio da Segunda Turma – “Lewan”, Gilmar e Cármen – anulou a ação penal em que Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras, foi condenado em segunda instância por corrupção, argumentando que Sergio Moro, então juiz da Lava Jato em Curitiba, deu o mesmo prazo para Bendine e seus delatores da Odebrecht, também réus, apresentarem alegações finais. “Para garantir a ampla defesa, Bendine deveria ser o último a se manifestar”, declarou Gilmar, abrindo precedente para a soltura de outros bandidos com base na mesma tese, não prevista na Lei de Delação Premiada, nem no Código de Processo Penal, e sem provar o prejuízo da defesa.

Detalhe: em outro caso julgado em maio deste ano, quando houve inversão na ordem entre defesa e Ministério Público – o que não ocorreu com Bendine, pois o MP falou primeiro e os réus (delatores e não delator) se defenderam derradeiramente, como manda a lei –, a Primeira Turma já havia admitido que “inexiste previsão legal de nulidade decorrente da mera inversão na ordem das alegações finais”, sem prova de prejuízo.

O ministro Edson Fachin, pelo menos, encaminhou ao plenário do STF um processo que discute a ordem das alegações finais de réus delatores e delatados, argumentando que é preciso preservar a segurança jurídica e a estabilidade das decisões do Supremo, uniformizando o entendimento das duas turmas existentes.

O risco de sempre, porém – sobretudo se Cármen assume o comportamento de Dias Toffoli em seu lugar –, é a mais alta corte do país preservar a blindagem de corruptos, uniformizando os interesses de cada ministro em proteger seus políticos de estimação.

Crusoé

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