Desafiada a responder às mazelas, elite escolhe tiro, porrada e bomba. Por Reinaldo Azevedo – Heron Cid
Bastidores

Desafiada a responder às mazelas, elite escolhe tiro, porrada e bomba. Por Reinaldo Azevedo

28 de setembro de 2018 às 10h00
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursa em Marcolândia (PI) em setembro de 2017 - Bruno Santos/Folhapress

Quando os liberais brasileiros foram convocados ao desafio de mobilizar as forças de mercado para responder com políticas públicas às demandas da nossa ainda formidável pobreza, parte deles não hesitou em escolher o caminho do tiro, porrada e bomba.

Liberais nada! Trata-se de uma gente grotescamente reacionária, que tem ódio e medo de pobre e de preto. Não importa o resultado das urnas, ou se guardam as garruchas, ou vamos constatar que países não conhecem o fundo do poço. Jair Bolsonaro quer aulas de Educação Moral e Cívica para o povo. Quem educará as elites?

O petista Fernando Haddad estará no segundo turno por obra, em parte, da Lava Jato, da direita xucra e de quantos assistiram inermes, quando não com aplausos, às duas tentativas de deposição de Michel Temer. Antevi o resultado neste espaço, em fevereiro do ano passado: “Se todos são iguais, Lula é melhor”. No reverso da moeda, a resposta é outra: “Se todos são iguais, viva a pistola!”

Mas falta um dado à equação. O PT chega a essa posição também por seus méritos, não porque praticou as esbórnias do mensalão e do petrolão. Abstraindo-se o desastre do governo Dilma, os muito pobres sabem por que votam no partido. E é por bons motivos —bons para eles, os muito pobres, realidade que está distante de nós, meu querido leitor, “meu semelhante”. Os oito anos de Lula forneceram para aquela gente, tratada com desdém pelos brucutus das redes sociais, um prenúncio ao menos de distribuição de renda. É questão de número, não de gosto. E foi coisa pouca.

Não posso avançar sem que emende: os muito ricos, que hoje veem no PT o sinônimo do mal, não tinham do que reclamar nem no governo Dilma. Alguns, aliás, aproveitaram a tibieza e a irresponsabilidade da gestão da governanta para arrancar renúncias fiscais abusivas, que contribuíram para expulsá-la do poder. Sob o aplauso dos beneficiários das mamatas.

“Mudou de lado? E os textos e os livros contra os petralhas?” Eu os subscrevo a todos ainda hoje. Procurem um só artigo meu atacando medidas para minorar a pobreza —“cotismo” é outra conversa. Eu me recusei —e me recusarei sempre— a trocar inclusão social por um projeto de hegemonia política, que cometeu o erro adicional de instrumentalizar o Ministério Público e setores do Judiciário contra seus adversários. O PT alimentou o Leviatã de toga que hoje tenta destruir o espaço público. Não se deve dar nem a fardados nem a togados o gostinho da política.

Eles engolem seus patronos. Os primeiros cassaram Carlos Lacerda. Os outros meteram Lula na cadeia. O PT é o principal responsável por haver procuradores e juízes que ignoram a Constituição, não é mesmo, Roberto Barroso? Na prática, esses valentes inimputáveis criaram um novo partido. E com poder de polícia. Nem os stalinistas cometeram essa sandice. Os nazistas sim.

Vamos ver o que o futuro governante, qualquer que seja, vai fazer do mapa eleitoral que herdar. Será, por si, um grave sinal de advertência. É constrangedor ter de escrever isto em 2018, mas nós estamos ainda, em muitos aspectos, no universo de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. Pausa: é a hora em que certo tipo retira as duas mãos do chão, vai ao Google para saber quem é esse e corre à área de comentários: “Reinaldo está citando um comunista; coisa do Foro de São Paulo”. Há quem pense, inclusive, que o tal foro é um prédio que pode ser demolido…  De volta ao romance.

Sinhá Vitória só se dava ao direito de sonhar com uma cama de ripas quando chovia. Quando chovia, Fabiano mudava sua economia de palavras. É espantoso que parte considerável das elites brasileiras ignore as razões por que os muito pobres votam no PT, reduzindo-os à categoria dos “mortadelas” preguiçosos. A mortadela sem metáfora ainda não chegou aos grotões do Vale do Ribeira, em São Paulo, ou do Vale do Jequitinhonha, em Minas, para ficar em dois estados ricos.

Não há solidão maior no Brasil do que a de um liberal. Os esquerdistas têm, ao menos, aqueles a quem chamam “companheiros”. Já fui brasileiro como eles. “Mas há uma hora em que os bares se fecham/ e todas as virtudes se negam.”

Folha

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