Na 'independência', descobrimos quanto somos dependentes – Heron Cid
Opinião

Na ‘independência’, descobrimos quanto somos dependentes

30 de maio de 2018 às 11h28 Por Heron Cid
Sociedade das abelhas nos exemplifica o poder da coletividade; está na hora de aprender com o mel sem esperar pelo fel

No frisson do cotidiano, pouco ou nenhuma vez atentamos para a engrenagem que nos move. Achamos – cada um na suas respectivas funções e atividades – que dependemos somente nós mesmos para tocar a vida, garantir o pão e atingir objetivos.

Aí vem uma greve como a dos caminhoneiros e atropela nosso egocentrismo e bota no acostamento nossa mania de pensar o mundo em torno do umbigo.

Sem carretas na estrada, faltou quase tudo. Até quem tem gordas poupanças, ficou refém dos motoristas parados e condenados a manter seus carrões, de tanques vazios, na poeira da garagem.

Voos cancelados, restaurantes fechados, prateleiras vazias, shoppings às moscas e crianças – filhos de pobres e ricos – sem aulas.

Esse é apenas um exemplo que deve nos mover a pensar coletivamente.

A carga pode até desembarcar no Porto. Sem o portuário, o produto não chega ao caminhão.

O comboio pode até chegar ao posto. Sem frentista, não há abastecimento e tudo fica na mesma.

Logo, tudo se normalizará e frutas e verduras voltam às centrais de abastecimento. Elas nem brotam, porém, sem o trabalho, e o suor dos agricultores.

Sem o vaqueiro, o agropecuarista não consegue juntar e nem ao menos contar seu numeroso rebanho.

Se o médico ou o enfermeiro parar, o Hospital deixa de atender e salvar vidas. Mas de nada valerá a normalidade do plantão, se o pessoal dos serviço geral deixar de fazer assepsia, esterilizar instrumentos, lavar roupas e preparar os alimentos.

Escolas não funcionam sem professores, segurança não protege sem policiais, os estacionamentos entram em caos sem os manobristas.

Com estoque cheio, o restaurante fino até abre. Sem o garçom e o cozinheiro, tudo perde o sentido e o dono sozinho não faz comida chegar à mesa.

Os banheiros de condomínios suntuosos logo apodrecem e envergonham convidados, se por lá os zeladores não aparecerem para trabalhar.

Até para morrer fica difícil. O sepultamento do ilustre nem acontece sem o coveiro e dificilmente o filho mais abnegado vai cavar com as próprias mãos o túmulo do pai.

Eis a lição que fica. Não existe categoria mais ou menos importante. A diferença entre elas está nos contracheques e no desprezo a que algumas são submetidas.

Valorizemos e reconheçamos todas. Sem esperar pela próxima agonia para sentir na pele o quanto faz falta o trabalho do outro, a quem muita vezes ignoramos.

E quanto mais conquistamos a tal independência, mas somos dependentes.

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