Trump já construiu um muro. Por Patrícia Campos Melo – Heron Cid
Bastidores

Trump já construiu um muro. Por Patrícia Campos Melo

28 de dezembro de 2018 às 14h00
Migrantes da Guatemala perto da fronteira entre EUA e México em Tijuana - Adrees Latif - 1.dez.2018/Reuters

O governo americano entra no sexto dia de paralisação por causa de uma queda de braço entre o presidente Donald Trump e os legisladores democratas. Trump não abre mão de US$ 5 bilhões no orçamento para construir seu famigerado muro na fronteira com o México, e os democratas se recusam a incluir essa verba.

Mas, na realidade, Trump já construiu um muro nos EUA para impedir a entrada de estrangeiros –um muro que não é físico, mas é extremamente eficiente.

No ano fiscal de 2018 (que vai de 1 de outubro de 2017 a 30 de setembro de 2018) os EUA reassentaram 22.491 refugiados –menor número dos últimos 40 anos. Foram 53.716 no ano fiscal de 2017 e 84.994 em 2016.

O número de refugiados de países muçulmanos que foram reassentados caiu 90% desde o ano fiscal de 2017, e o de latino-americanos caiu 40% —embora essas duas regiões tenham um número crescente de pessoas pedindo refúgio.

Apenas 62 refugiados sírios foram reassentados nos EUA no ano fiscal de 2018. Em 2017, foram 6.557.

Foram admitidos 6.886 refugiados iraquianos no ano fiscal de 2017, e apenas 140 em 2018.

A África também foi afetada. Foram 6.130 somalis em 2017 (ano fiscal) e 257 em 2018.

Trump começou reduzindo o número máximo de reassentamentos de refugiados para 45 mil. E, mesmo assim, só reassentou a metade, 22.491 no ano fiscal de 2018.

Em outubro, o secretário de Estado, Mike Pompeo, anunciou que o teto seria reduzido de novo para o ano fiscal de 2019, que começou em 1 de outubro deste ano. O máximo de refugiados que poderão ser reassentados nos EUA será 30 mil –número mais baixo em 40 anos.

No governo do ex-presidente Barack Obama, o teto chegou a 110 mil no ano fiscal de 2017. Mesmo no governo George W Bush, que teve um enorme aumento nas medidas de segurança após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, o teto foi de 70 mil.

Pompeo alegou que a redução no número de refugiados reassentados era necessária para garantir segurança nacional dos EUA, e porque há centenas de milhares de pedidos de refúgio acumulados nos EUA. O secretário de Estado voltou a dizer que o foco dos EUA é auxiliar os refugiados em outros países, ajudando a pagar comida e atendimento medico, em vez de acolhê-los em solo americano.

A maioria dos reassentados vêm de campos de refugiados superlotados (iraquianos e sírios na Turquia, Jordânia ou Líbano, somalis no Quênia) e não tem menor esperança de voltar para seus países em guerra ou conflito.

Desde 1982, os Estados Unidos sempre foi o país a reassentar o maior número de refugiados –aliás, reassentava mais refugiados do que todos os outros países juntos. Em 2017, pela primeira vez, os EUA reassentaram menos refugiados do que os outros países somados. Mas ainda manteve a liderança. Em 2018, isso deve mudar.

Estive no campo de Daadab, no Quênia, em abril de 2017. Era o início do mandato de Trump e o americano já havia anunciado a lei que barrava imigrantes de países de maioria muçulmana (que foi derrubada na Justiça). Muitos dos refugiados com quem falei no campo tinham como única e grande esperança ser reassentados nos EUA ou em algum país europeu.

Seu país, a Somália, continuava tomado pelo terrorismo do Al Shabaab, cólera, seca e fome. Desde então, pouco melhorou.

Folha

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