O presidente no jardim zoológico. Por Bernardo Mello Franco – Heron Cid
Bastidores

O presidente no jardim zoológico. Por Bernardo Mello Franco

3 de dezembro de 2018 às 12h30
Pablo Jacob | Agência O Globo

É exótica a fauna que habitará o Planalto a partir de 2019. O governo de Jair Bolsonaro vai reunir pavões, gorilas e outros bichos. Aos olhos do presidente eleito, os animais são os outros. Na sexta-feira, ele comparou os índios que vivem em reservas a feras no zoológico.

“Na Bolívia, tem um índio que é presidente. Por que no Brasil devemos mantê-los reclusos em reservas como se fossem animais em zoológicos?”, provocou o capitão.

Bolsonaro não chega a repetir Manuel da Nóbrega. No século XVI, o padre dizia que “índios são cães em se comerem e matarem e são porcos nos vícios e na maneira de se tratarem”.

As palavras são outras, mas a visão parece a mesma. Para o presidente eleito, o índio é comparável a um animal. Se quiser ser “um ser humano igual a nós”, tem que abandonar seu território e migrar para a periferia das cidades. O discurso soa como música para ruralistas, grileiros e mineradores, todos ansiosos para explorar as terras protegidas.

Bolsonaro não esconde o que pretende. “No que depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena”, disse, no mês passado. A ameaça tem alvo certo. Segundo a Funai, o país tem 130 territórios em processo de demarcação. Outros 115 estão em estudo.

“Índios não estão em reservas, muito menos em zoológicos. Índios vivem em territórios próprios, que são garantidos pela Constituição”, esclarece o antropólogo Mércio Gomes, professor da UFRJ e ex-presidente da Funai.

Ele diz que o capitão deveria se inspirar no marechal Cândido Rondon, que criou o Serviço de Proteção ao Índio e chegou a ser indicado ao prêmio Nobel da Paz pelo físico Albert Einstein. “Nem a ditadura revogou terras indígenas. Apelar ao exemplo de Rondon é apelar às melhores tradições do Exército”, afirma.