Gleisi, Wagner, o rabino Hilel e o “esconde ou exibe” Haddad. Por Reinaldo Azevedo – Heron Cid
Bastidores

Gleisi, Wagner, o rabino Hilel e o “esconde ou exibe” Haddad. Por Reinaldo Azevedo

14 de agosto de 2018 às 11h27
Gleisi Hoffman e Jaques Wagner

O PT se manifesta de dois modos na imprensa nesta terça. Na Folha, Gleisi Hoffmann assina um artigo em que, vá lá, afirma o trivial e o esperado enquanto o TSE não declara a inelegibilidade de Lula: o PT vai até o fim e coisa e tal; é ele o candidato; não vamos desistir etc. Levado o texto na ponta do lápis, temos o paradoxo a serviço do ridículo. Já chego lá. A outra voz é a de Jaques Wagner. Judeu, o ex-governador da Bahia e agora candidato ao Senado deve ter se lembrado de ecos de rabino Hilel, o Ancião: “Se não eu por mim, quem por mim? Se eu for só por mim, quem sou eu? Se não for agora, quando?” Traduzo a minha citação adaptada: se Lula não lutar por si, quem lutará? Se Lula lutar só por si, quem é Lula? Se não se começar a divulgar o nome de Fernando Haddad agora, quando?

Há, visivelmente, duas posturas em curso. Gleisi, obedecendo às ordens do chefão, está entre aqueles que gostariam de esconder Haddad ou de limitar a sua fala à condição de mero porta-voz do “verdadeiro candidato”. E há os que entendem, como Wagner — que sempre se mostrou mais realista nesse processo; ele defendia a aliança com Ciro Gomes —, que a estratégia de substituição tem de ser posta em prática já. Os petistas que se entendam. Problema deles. Para quem olha de fora, no entanto, como é o meu caso, resta um julgamento: uma atitude é basicamente irracional, assentada no pensamento mágico, e a outra reconhece os limites da realidade. Antes que volte a esse ponto, uma observação sobre o texto de Gleisi.

A presidente do PT torna ilegítima, em seu artigo, até mesmo uma eventual eleição de Haddad. Escreve a preclara:
“Se [as instâncias judiciais] negarem esse caminho [candidatura de Lula] à nação, estarão assumindo as responsabilidades e consequências por fraudar a soberania do voto.”

Logo, mesmo a eventual eleição de Haddad será, segundo a senadora, uma fraude. Caso venha a vencer e caso tenha início um movimento para derrubá-lo, ainda que por vias ilegais e ilegítimas, esta Varoa de Plutarco diria: “Estão derrubando um presidente ilegítimo”.

No PT d’antanho, um artigo como esse passaria por várias mãos, até sair no jornal. Nestes tempos de racionamento da dialética do esclarecimento, Gleisi deve ter escrito o artigo sozinha, se é que me entendem.

O racional e o racional
Wagner não está propondo nada de muito difícil, nada que Gleisi não possa entender. Ele defende que o nome de Haddad passe, desde já, a ser oferecido como alternativa ao eleitorado lulista, ao eleitorado mais amplamente petista e ainda ao mais amplamente indefinido. O que a legenda tem a perder? Se a Justiça for sensível aos argumentos do PT, Lula será sagrado candidato, sai da cadeia, elege-se presidente e pronto! A mecânica celeste do petismo volta ao seu lugar. Caso, no entanto, o partido seja malsucedido, aquele que aguarda no banco já entra com algum apoio da torcida. Objetivamente, perde-se o quê? É o racional.

Mas parte do PT é presa da suposição mística, estúpida, irracional mesmo, de que basta afirmar que Lula será o candidato até o fim para que ele seja candidato… até o fim.

Gleisi fala genericamente em “precedentes” da Justiça Eleitoral, que não se aplicam ao caso. E insiste que o petista foi condenado sem provas — foi mesmo! —; que se aplicou um andamento de exceção a seu processo — é verdade; que o julgamento no TRF-4 teve a cara de um concerto, de um arranjo. E eu também acho. Mas e daí?

Será que essa argumentação será eficiente para que o TSE declare a sua elegibilidade? O que ela pretende? Que a corte eleitoral seja empregada como instância revisora do julgamento do TRF-4? Gleisi pretende que a Justiça Eleitoral atue como instância superior do processo penal? Vamos convir: quanto mais se insiste na mistura desses dois domínios, mais o aparelho judiciário se encarregará de fazer a distinção entre eles.

Não é por outra razão que a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, fez nesta segunda uma candente defesa da Lei da Ficha Limpa, que seria, segundo ela, um primor. Trata-se, na verdade, de um monstrengo, que contou, no entanto, com o apoio das esquerdas, do PT em particular, e de Lula, que a sancionou sem vetos. É um tanto ridículo que uma ministra da corte constitucional decida fazer a defesa de uma lei em particular. Ao optar por esse procedimento, resolve fazer política, não é? É claro que está se referindo, ainda que indiretamente, a Lula. Como já o fez Luiz Fux, ainda na presidência do TSE. A nova comandante do tribunal, Rosa Weber, é outra entusiasta dessa estrovenga legal.

Ainda que assim não fosse, que diferença faria? A lei está aí.

O paradoxo que conduz ao ridículo na argumentação de Gleisi parte do princípio de que uma conspiração político-judicial operou para tirar Lula da eleição. Digamos, por hipótese, que tenha existido. Faz sentido, então, esperar que esse mesmo aparelho devolva a elegibilidade a Lula, juntando, assim, aos exotismos passados mais um, a saber: o desrespeito à Lei da Ficha Limpa?

Nada, por óbvio, faz sentido na argumentação de Gleisi.

E, como se nota, ela flerta abertamente com o perigo ao considerar, por princípio, ilegítima uma eleição sem Lula. Ilegítimo, pois, nessa perspectiva, seria o vencedor desse certamente — mesmo, segundo as suas palavras, que seja um petista.

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