Risco concreto. Míriam Leitão – Heron Cid
Bastidores

Risco concreto. Míriam Leitão

12 de junho de 2018 às 09h51

O mercado fala por ordens de compra e venda, mais do que por declarações. Pelo movimento das últimas semanas, está claro que não tem confiança nos candidatos que estão na frente. É possível encontrar defensores do deputado Jair Bolsonaro nos bancos, mas as próprias cotações do dólar e da bolsa mostram que os formadores de opinião, e de preços, no mercado não acreditam que ele seja o liberal que finge ser.

O importante não é na verdade o que economistas de alguns poucos bancos do concentrado mercado bancário brasileiro ou de meia dúzia de grandes gestores de ativos pensam ou deixam de pensar. O relevante são os riscos concretos da economia brasileira. Ela tem uma sólida posição cambial, mas uma extrema fragilidade fiscal. Como resultado da desastrada administração Dilma Rousseff, o país saiu da posição confortável de ter uma dívida pública estabilizada. Ela subiu 25 pontos percentuais do PIB desde o início da administração da ex-presidente até os dias de hoje. O superávit primário mantido por 16 anos virou um rombo enorme. O governo Temer, ao perder o rumo em maio de 2017, enterrou a reforma da Previdência que daria alguma redução a esse desequilíbrio fiscal. O que ameaça o país não é a volatilidade deste ano eleitoral, mas o risco de uma crise de confiança na dívida pública se os candidatos viáveis não apresentarem propostas coerentes para enfrentar os problemas fiscais do país. E crise de confiança na dívida atinge todos os poupadores e investidores.

A pesquisa Datafolha deste fim de semana mostra, como escreveram os diretores do Instituto, Mauro Paulino e Alessandro Janoni, um eleitor letárgico. Nada de muito relevante aconteceu desde a última pesquisa, exceto que o nome de Lula na espontânea caiu sete pontos percentuais desde janeiro. O que cresceu na espontânea foi o não voto. Quando perguntados em quem votarão, sem a cartela de candidatos, 23% de pesquisados dizem que o voto será nulo ou em branco. Eram 18% em janeiro. Essa rejeição do processo eleitoral é preocupante, mas pode mudar ao longo da campanha. Qualquer comemoração de candidato agora é realmente prematura porque 46% não sabem ainda em quem vão votar. E há um ano este número estava em 48%. Ou seja, quase metade do eleitorado permanece indiferente aos postulantes presentes. E quase um quarto dos eleitores se dispõe a votar nulo e branco. Na pesquisa induzida subiu de 28% em abril para 32% agora os que não têm candidato. Esses números tornam o quadro completamente indefinido.

A incerteza eleitoral alimenta o clima de instabilidade dos ativos financeiros. Não se sabe o que acontecerá no país em que Lula permanece em primeiro lugar, mesmo sendo inelegível e estando preso, e em segundo lugar está um candidato do qual se pode esperar qualquer coisa. Alguns políticos evoluem e mudam de ideia ao longo da carreira. Não parece ser o caso de Jair Bolsonaro. Na economia, ele decidiu fingir ser o que não é. Ao longo dos seus vários mandatos votou e discursou em defesa de teses intervencionistas e estatizantes, de forma coerente. Agora quer um biombo liberal.

Na área social o que espanta não é o seu conservadorismo, mas o muito que ele não sabe. Bolsonaro defendeu a esterilização dos pobres, como publicou ontem a “Folha de S. Paulo”. Dentro de pouco mais de duas décadas, a população brasileira vai começar a diminuir porque está havendo uma queda da taxa de natalidade em todas as classes sociais. Inclusive entre os mais pobres. Ele deveria estudar um pouco a demografia brasileira. O Brasil tem inúmeros problemas, mas a explosão demográfica não está entre eles. A população está reduzindo seu ritmo de crescimento, e em breve deve estabilizar. Depois, começará então a encolher o número de habitantes. Quem quer governar o Brasil deveria estudar minimamente o que se passa no país.

No mercado financeiro o obscurantismo social de Bolsonaro não incomoda. Lá os valores são outros. Mas engana-se quem pensa que por isso ele é aceito. O problema é a sua sistemática rejeição de todas as medidas de ajuste fiscal, como a reforma da Previdência. Nada indica que ele tenha alterado convicções ou reduzido sua profunda ignorância de assuntos elementares da gestão pública.

O Globo

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