O sabor da feira e um cheiro de saudade – Heron Cid
Opinião

O sabor da feira e um cheiro de saudade

20 de maio de 2018 às 11h39 Por Heron Cid

Ela acordava primeiro do que sol. Antes, ainda na noite do dia anterior, já deixava muita coisa pronta. No escuro, chamava o neto.

Sandália ‘japonesa’ nos pés e a melhor roupinha engomada no corpo. Era o figurino para o trabalho com a avó/mãe daqueles domingos de feira.

O mercado de Marizópolis atraía gente de toda a zona rural do então distrito e de outros municípios mais próximos. De Nazarezinho e São João do Rio Peixe vinham moradores dispostos a abastecer seus armários.

Ao redor, cavalos e carroças aos montes amarrados em postes ou em árvores.

De tudo um pouco para vender. Confecções, temperos, frutas, bonecos, brinquedos, carne, verduras, artigos de cozinha, panela de barro, ferramentas para roça, ciscador, enxada e muitas bugigangas eletrônicas.

Entre um grito e outro, o alarido do jogo de “bozó” e o carteado das apostas. Do lado, os quiosques e suas cachaças com tira-gosto.

Era uma animação só.

O menino vez por outra escapava e serpenteava entre os labirintos daquele mágico universo, descobrindo as coisas do mundo e encantado com o que nem entendia.

Depois voltava para fazer companhia. Fogãozinho de duas bocas aceso à base de carvão e o perfume da boa comida viajando na fumaça.

Cuscuz, arroz, carne e fígado de porco, galinha, tudo acompanhado de tomate e coentro cortadinhos. No fim, era para lá que muitos feirantes rumavam e matavam fome.

Apurado no bolso, hora de partir de volta à casa número 18 da Rua Ana Rocha. Mas, antes, um pequeno prêmio de compensação: chiclete e suspiro colorido.

O garoto não sabia o que mais admirava, o sabor ou o odor artificializado.

Vinte e cinco anos menos moço, o filme voltou à tela da recordação na feirinha do mercado de bairro da cidade grande.

Dessa vez, com mulher e filhos, embrenhado entre as bancas, cores e perfis dos vendedores reviveu aqueles tempos.

Sentiu no ar o mesmo cheiro do passado. Viu lá no cantinho dona Nuita com pano amarrado em forma de lenço na cabeça, sentada pastorando as panelas.

Fechou os olhos marejados, para ninguém perceber, e pelos lábios do coração e da alma beijou a saudade e o amor que nunca morrem.

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