O futuro. Por Alberto Villas – Heron Cid
Bastidores

O futuro. Por Alberto Villas

13 de abril de 2018 às 10h05

Quando a gente era pequenininho, viviam perguntando o que seríamos quando crescêssemos. Num mundo analógico, as opções não eram muitas: Engenheiro, advogado, médico, dentista, arquiteto, coisas assim.

Antes de me tornar jornalista, eu quis ser padre e piloto de fórmula 1. Toda criança tinha um sonho assim, ser motorista de caminhão, tratador de bichos no zoológico ou piloto de avião. Uma amiga minha, por exemplo, queria ser aeromoça, formou-se em História e hoje faz mapa astral.

Criança, a gente não enxergava muito o futuro pela frente. De vez em quando, dizíamos que quando casássemos, queríamos ter quatro, cinco filhos. E imaginávamos até o nome de cada um deles, mas era tudo brincadeira.

Nunca me esqueço da gargalhada da família no dia em que o meu avô perguntou o que eu queria ser quando crescesse. Respondi na lata:

– Quero ser grande!

O que importava era o presente, era jogar pelada na rua, andar de patinete, apostar corrida com carrinho de rolimã, conseguir a figurinha carimbada ou sonhar com uma bicicleta Monark pneu balão. O futuro ficava tão longe, ia demorar tanto a chegar, que dava preguiça de pensar no caminho até chegar a ele.

O meu pai falava muito do futuro, guardava dinheiro no Banco do Brasil pra quando ficasse velho, pensava em comprar um carro zero quilómetro e quem sabe viajar um dia para a América do Norte. Mesmo pequenininho, sentia que ele e minha mãe tinham medo de ficar sem dinheiro no futuro.

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Minha mãe, depois de ler um livro de Humberto de Campos, ficou muito assustada com o futuro que vinha pela frente. Ela dizia que as mulheres iam sair sozinhas à noite, iam sentar no bar pra tomar cerveja, iam cantar os homens, não iam mais saber bordar, cuidar da casa, do marido, nem tocar piano.

Eu nunca pensei muito seriamente no futuro, nunca imaginei que os meus irmãos iam ser um engenheiro, uma professora, uma psicóloga e uma advogada. Eu só tinha uma certeza, a de no futuro, não seria engenheiro como o meu pai porque nunca soube fazer sequer uma raiz quadrada.

Um dia, eu achei que o futuro tinha chegado. Foi  quando o caminhão da Bemoreira parou na porta da minha casa e deixou lá uma máquina de lavar roupa Bendix. Eu achei que o futuro tinha chegado quando o meu pai veio da América do Norte com uma faca elétrica e uma televisão do tamanho da palma da mão.

Não imaginava que o futuro seria como é hoje, todo mundo com os olhos grudados no smarphone, com mil senhas na cabeça e só sabendo chegar nos lugares se ligar o Waze.

O futuro pra mim ia ter carros voando, comida em forma de pílula, roupa que não amassava, o homem passeando na lua e uma arrumadeira como a Rose, dos Jetsons.

Um dia, quando fui ver um show dos Sex Pistols em Londres e eles começaram a gritar: No future! No future! No future! eu gostei daquilo e achei mesmo que o movimento punk estava colocando um ponto final nessa coisa de pensar de como seria o futuro.

Nos meus anos hippie, antes dos anos punk, eu gostava muito de cantar Movimento dos Barcos, de Jards Macalé: “E o futuro esperado que eu não dei/

É impossível levar um barco sem temporais/

E suportar a vida como um momento além do cais”. O futuro pra mim era um vapor barato porque navegar era preciso, viver não era preciso.

Hoje, aqui, distante onze mil quilômetros do Brasil, eu não consigo enxergar o futuro do meu país. O que vai acontecer ninguém sabe, ninguém ousa arriscar como será. Vamos ter eleições em outubro? Lula vai sair da prisão? Lula vai ser candidato? Bolsonaro vai ganhar? Algum tucano vai ser preso? Temer vai chegar ao fim do mandato? O desemprego vai cair? A economia vai crescer? Os jornais e os telejornais vão ser imparciais? Os buracos nas calçadas vão ser tapados?

Vejo um homem idoso caminhando por uma ruela de Florença, sapatos e meias pretas, uma calça de gabardine caqui, um casaco xadrez, chapéu na cabeça e um guarda-chuva na mão. Ele caminha devagar, para numa vitrine para apreciar os chocolates finos e continua. Fico observando o seu caminhar, até ele desaparecer ao virar a esquina, indo ao encontro de algum tipo de futuro, mesmo que ele não esteja à vista.

 Carta Capital

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